segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

voar pula gerações

esse moleque tá andando muito perto de mim igual agora na festa aquele mala que ficava desenhando nas pessoas empurro o moleque isso sempre acontece nos meus sonhos alguém muito to sonhando to sonhando to sonhando calma não perde se concentra dá passos maiores isso sai um pouco do chão o gabriel começa a me contar de um filme que ele quer fazer em uma faculdade em um hospital só com alunos interpretando os médicos só um deles que já fez enfermagem a gabi queria fazer um filme de médicos eu conheço aquela rua, aqueles paralelepípedos parece o filme pude ver un puma sempre que eu sonho eu to nessa cidade eu to sonhando concentra deixa o gabriel falando mas anda tem que andar vamos voar é o que eu mais gosto voar é foda mas é difícil tem que concentrar vamos tentar tem que tomar distância daqui não vai, vamos subir tem que tomar mais distância vou pular praquele prédio daqui dá ei to sem espaço pula pula ai quase eu sempre fico pendurado e com força pode soltar mas acho que não funciona pra voar tem que ter impulso e se jogar não adianta só se largar do alto tá vou pra ali lá é a faculdade que o gabriel tava falando dos médicos mó vistão irado olha a julia ali ela tá pelada me dá um beijo ela tá do meu lado eu acho que vou acordar vamos voar de cima da faculdade dá sobe por fora pelo cano

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

pombos no buraco do ar-condicionado


sua cabeça triplicou de tamanho. não gosta de beber à tarde, mas a presença do amigo carioca pedia um brinde no almoço. chegou em casa suando do sol forte. sentia latejar a cabeça quente e ouvia o barulho dos pombos cinzas que fizeram ninho no buraco do ar condicionado. foi até o banheiro, encheu a toalha de água e a enrolou na cabeça, como um turbante isolante do mundo. deitou. a cabeça girou molhada, desatarraxando o pescoço aos poucos. fez força pra dormir, mas lembrou. o bilhete colado na porta pedindo pra avisar a mãe em cachoeirinha, a porta daquele vidro que distorce as imagens entreaberta e os braços em Z tortos no chão. fez o que podia ser feito, repetia, o que podia ser feito, feito, fei. os pombos faziam o barulho que os pombos fazem, mas agora os sons se misturavam, abafados, um rrrrr entrando no outro, fazendo uma cama. da janela vinha um vento lateral e a cabeça diminuía a cada respiro. os pombos se calaram e o mundo é uma bolha de ar, um carro passou e todo mundo vai morrer, devagar, existe uma quantidade enorme de pessoas bonitas no mundo, calma, pequeno, sereno, respira, dormiu e os pombos levantaram vôo.

ógleis

o tempo engorda no espaço de um abraço apertado e mesmo sabendo que todo mundo vai morrer, sei que batida muito alta é de coração vivendo. os meus óculos são pra longe; pra perto não preciso deles pra enxergar teus dentes sorrindo sem tempo e dizendo que toda volta é inteira.
pra julia

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

desmontar uma bomba nuclear

um levava o outro na garupa quando decidiram descer a ladeira da bola. no cruzamento, bateram no peugeot, que foi embora. os gêmeos conseguiram chegar na rua de casa, muito machucados e ensanguentados. a roda da bicicleta completamente torta ditava o caminho sinuoso dos dois na rua de terra. chegaram em casa e a mãe já apareceu. ela sempre aparecia quando alguma coisa ruim acontecia, parecia saber sempre. ela mandou os dois tirarem a roupa e um saiu correndo de volta pra rua, mancando. o outro ficou. ela mandou de novo ele tirar a roupa e entrar no chuveiro. obedeceu. lá, a mãe apareceu com um chinelo havaianas marrom e começou a bater. bateu sem parar, nos cortes e arranhões, espalhando o sangue no box e respirando forte. ele apanhou quieto, dessa vez não sentia. sentia que doía, mas sabia que não importava. sentiu-se maior que ela pela primeira vez, apesar do um metro e sessenta. irritada com falta de resposta do garoto, bateu mais, até que se cansou e parou.

ela entrou no táxi, ligou o carro e pôs o rádio. do porta-luva, tirou o cd arranhado do U2 e o inseriu. saiu com o carro. ela não sabe fala inglês, mas de tanto ouvir, aprendeu a cantar junto com a música, acompanhando as palavras pelo som.

“I want to trip inside your head 
Spend the day there... 
To hear the things you haven't said 
And see what you might see 

I want to hear you when you call 
Do you feel anything at all? 
I want to see your thoughts take shape 
And walk right out 

Freedom has a scent 
Like the top of a new born baby's head 

The songs are in your eyes 
I see them when you smile 
I've seen enough I'm not giving up 
On a miracle drug 

Of science and the human heart 
There is no limit 
There is no failure here sweetheart 
Just when you quit... 

I am you and you are mine 
Love makes nonsense of space 
And time... will disappear 
Love and logic keep us clear 
Reason is on our side, love... 

The songs are in your eyes 
I see them when you smile 
I've had enough of romantic love 
I'd give it up, yeah, I'd give it up 
For a miracle, a miracle drug, a miracle drug 

God I need your help tonight 

Beneath the noise 
Below the din 
I hear your voice 
It's whispering 
In science and in medicine 
"I was a stranger 
You took me in" 

The songs are in your eyes 
I see them when you smile 
I've had enough of romantic love 
I'd give it up, yeah, I'd give it up 
For a miracle, miracle drug 

Miracle, miracle drug."


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

la ursa

incendiou o fim da festa como se fosse barcelona e o inferninho começou a tremer de fogo. um menino entrou com uma máscara de urso e dançando, alheio à correria e gritaria, chegou perto da menina. o grave apressava o coração, que atrasado, se esforçava pra manter o passo e os dois dançavam movendo todos os músculos, agitados. ela tirou a máscara dele e a vestiu. era grande e parecia pesada, mas não. era leve, como nunca se sentiu. tentou agradecer, mas a voz fica abafada ali dentro. gritou e se sentiu um animal, rugindo. uma ursa, primitiva. olhou o menino por entre os muitos dentes da máscara, pontudos e afiados. la ursa o beijou, pelo papel-machê.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

quase vi um cachorro azul

ext. rua - noite. 
ele desapareceu antes da câmera ligar. mas não sumiu, como se evaporasse. sumiu como se tivesse sido engolido pelo chão, entre o cimento e a faixa branca pintada ao lado da calçada. fumaça. preto e azul. o plano enquadra com simetria a porta gradeada e a fachada de um estúdio de revelação 24 horas. no letreiro, as palavras desbotadas e o número de telefone faltando o primeiro 2. da portinha ao lado, com uma luz azul piscante, vindo de dentro, um burburinho grave reverbera. do som grave, uma música. uma guitarra distorcida e triste e um homem canta com a voz grave, engolindo e repetindo as palavras like milk spilt on a stone, hearts and thoughts they fade away. e os pixels se rearranjam, em um grande e lento fade through fantasmagórico até a fixação: o cão, doberman; grande e musculoso, um pelo curto, azul, perto do marinho, e brilhante. os olhos, pretos e também brilhantes, encaram a objetiva. Ele late.                                                            corta para

terça-feira, 24 de junho de 2014

você pode me chamar do que quiser

o nome dela para todos era lucia mccartney; sempre fora fã dos beatles. o dele era júnior; não queria ser chamado pelo nome do pai. já era o terceiro programa dela na noite e ela queria ir para casa, mas o cheiro dele a enterneceu, parecia inocente. lucia quis saber o nome dele e ele, sem deixar abertura mas sem ser grosso, repetiu: junior. ela entendeu e deixou pra lá. pensou que ele não devia gostar do nome e everaldo surgiu em sua cabeça. ele tomou e ofereceu um ácido. ela aceitou e os dois treparam. os corpos encaixaram como se fossem feitos a partir de um mesmo molde e no meio ele disse que queria crescer. ela não entendeu bem o que isso significava, se era alguma expressão sexual, mas gostou e imaginou os dois bem velhos deitados na cama para dormir as 20 horas; avisou que ia gozar. sentindo os efeitos do ácido e do whisky que bebera enquanto a esperava, ele concentrou-se e gozou ao mesmo tempo que ela. caiu em cima de seu corpo e, ofegante, disse “to morto”. e ela imaginou os dois mortos, dividindo um caixão. pensou consigo que se dissesse isso para ele, ele acharia mórbido, mas para ela, era só bonito. ele se levantou, se lavou, botou a roupa e deixou o dinheiro na bolsa dela. gostou de ver um livro do rubem fonseca lá dentro e decidiu perguntar o nome verdadeiro dela. “o que você quiser”. ele sorriu e foi embora. ela pegou o dinheiro, ligou para ana, uma amiga, e foi para a boate zum zum.

int. boate - noite
som de música eletrônica alta. a voz canta “i hope you die by my side”. debaixo das luzes coloridas, LUCIA dança de olhos fechados e sorrindo.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

na beira do mundo

afundarei na fuga de ficar aqui entre suas fotos para encarar cada gesto de amor e entender cada canto da piscina vazia da casa de saquarema prendo a respiração e a vida passa tão devagar que volta atrás, como se a morte fosse a mesma coisa que escovar os dentes ou pensar em qual foi a bebida que serviram na inauguração do mundo você volta e somos três, pulando na piscina cheia da casa de saquarema.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

paisagem interna II

quero desenhar um mapa das suas artérias e veias, com aquela caneta que dá pra mudar de cor. depois decorar o tamanho do seu rim direito, saber a posição exata do seu umbigo e entrar. quero misturar os tons de vermelho da paisagem, navegar na ressaca dos vasos sanguíneos até enquadrar o coração no visor da super8.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

paisagem interna

quero abreviar as palavras complicadas para uma distancia que se vê abraçado entender os riscos no chão, as dobras da mão e os vincos do lençol hoje durmo cedo pra sonhar depressa.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

herdei os olhos caídos de minha filha

na contramão do tempo, desenvelheço as mãos ao te imaginar dançando em uma cadência lenta no sol à sua imagem, bonita, os bigodes enegressem e as linhas largam-me o rosto cada vez que penso escutar você chorar de felicidade ou rir de nervoso te dou meu nome e desamadureço esqueço os atalhos e as bifurcações até atingir a idade marcada na carteira de identidade te tenho nos braços e dançamos na raiz da lentidão.

quarta-feira, 19 de março de 2014

último gesto

em seu velório me dei conta de que a morte reuniu todos aqueles que ela amava.

quinta-feira, 6 de março de 2014

coleção de pequenas coisas enormes

tu coleciona pequenos rasgos de beleza os morde da vida como um vampiro sem  dente não os machuca e os coloca no bolso “é se deslumbrando que se move, que se acorda”, diz segue com passos leves, morde: o nascimento da cria dos seus coelhos, o choro na peça “o auto” do irmão, a festa no carnaval no meio dos destroços da perimetral,  o filme do jonas mekas, o beijo de despedida no cara certo antes de encontrar o cara errado, o sonho com a casa de teresópolis e mais sessenta e oito rasgos “é se deslumbrando que se move, que se acorda.” hoje começo a minha coleção, mordo tu.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

cabra cego e covarde

to alí no meio meio velho para isso mas vou de qualquer jeito colocam uma venda nos meus olhos e pareço sereno começam a girar-me o centro e meu corpo entra em descompasso três homens me fazem dar voltas ao redor de mim, e apesar do desespero de meus pés e braços, meu rosto continua sereno até que param e a tontura já embrulha a cabeça como um turbante que não para de se mover tenho um cajado na mão e preciso encontrar o burro e acertar seu corpo para que os doces caiam e as crianças corram para pegar no meio da roda já posso começar, mas agora é possível reparar que minha serenidade me abandonou há preocupações em minhas rugas e não consigo dar o passo é quando uma moça se destaca na multidão e grita vem! meus ouvidos olham para ela e os gritos repetidos da moça me abalam vem! vem! vem! é hora, pés, hora de confiar



mas não consigo 


volto a girar

sábado, 4 de janeiro de 2014

uma declaração de amor


os dois caminham na orla sentem frio mas os raios esquentam o tornozelo do tio ele leva a cadeira dela se cansou? ela se apoia no corrimão não, amor, estou bem ela sente a perna desde o acidente com a arma do soldado vai com dificuldade os dois continuam andando o vento deu uma apertada até que ela se cansa espera um pouco? ele olha para ela claro e vira-se pra praia havia quarenta anos tinha chegado com o sax em san sebastián e nunca mais voltou vamos? ela respira e sussurra calma ele olha para ela to calmo e olha pro centro lembra-se já toquei aqui com os meninos ela olha para ele ela sabe que já e sabe da história da águia, mas o deixa contar mais uma vez e voltam a caminhar no passo lento que só quem sabe que tem o que quer consegue andar.